segunda-feira, 29 de março de 2010

Da Condição Humana

Todos sofremos.
O mesmo ferro oculto
Nos rasga e nos estilhaça a carne exposta.
O mesmo sal nos queima os olhos vivos.
Em todos dorme
A humanidade que nos foi imposta.
Onde nos encontramos, divergimos.
É por sermos iguais que nos esquecemos
Que foi do mesmo sangue,
Que foi do mesmo ventre que surgimos.

José Carlos Ary dos Santos

segunda-feira, 22 de março de 2010

A História de uma terra soalheira

Era uma vez uma terra muito pequenina e soalheira que tinha os habitantes mais simpáticos e hospitaleiros do planeta. Mas estes queridos liliputianos eram também os mais tristonhos de toda aquela terra e arredores.
Tinham vivido anos e anos com medo, sem autorização para falarem, para escreverem o que sentiam, para fazerem desenhos ou para cantarem as canções de que gostavam. Nem sequer podiam fazer festas na rua com os amigos e celebrar as alegrias da vida!
Com o passar do tempo, os simpáticos habitantes daquela terra muito pequenina e soalheira, muito simpáticos e hospitaleiros, foram ficando desiludidos. Desiludidos quer dizer que tinham ilusões, sonhos e desejos e que, com o passar do tempo tiveram de os esquecer para se dedicarem às preocupações do dia-a-dia e a fazer só o que lhes mandavam.
As liliputianas cuidavam dos liliputianozinhos e da liliputicasa enquanto que os seus maridos liliputianos iam trabalhar em fábricas e empresas para os liliputianozões, pois precisavam de comprar comida para a sua família lilipute.
Gostavam de reunir a família em casa a ouvir uma música em que, diziam, as guitarras gemiam em pranto e os cantores faziam chorar as pedras da calçada.
- Mas que estranho! Como podem chorar as belas calçadas liliputianas se têm uma beleza sem par e ainda por cima não têm olhos?!
Diziam os pequenos liliputianos incrédulos com aquelas observações. Ugégé ugégé, diziam eles com um tom falsamente triste quando queriam gozar toda aquela melancolia.
Alguns habitantes desta terra muito pequenina e soalheira foram obrigados a ir para outras terras muito grandes, soalheiras e quentes, fazer uma guerra que não percebiam muito bem para que servia, sabiam que eram apenas soldadinhos à espera do chumbo.
Voltavam uns, outros por lá ficavam sem usarem o bilhete de regresso no paquete Príncipe Perfeito e nunca mais viram a sua terra muito pequenina e soalheira que tinha os habitantes mais simpáticos e hospitaleiros do planeta.
Um dia, um liliputiano mais afoito resolveu abanar os liliputianozões e candidatar-se a presidente daquela terra muito pequenina e soalheira que tinha os habitantes mais simpáticos e hospitaleiros do planeta. Mas logo, numa viagem à terra vizinha, - que era maior e com habitantes menos hospitaleiros mas também menos tristonhos – foi banido daquele mundo. Os seus conterrâneos lá se recompuseram do choque e continuaram as suas vidinhas monótonas e tolhidas pelo medo, por muitos e longos anos.
Lá andaram, andaram, no ram-ram (que não é uma memória de computador mas sim uma forma peculiar de viver o dia-a-dia sempre igual), até que, uns anos depois de uma tal primavera diferente das outras, um grupo de soldadinhos, que não eram de chumbo mas de força, resolveu pegar nuns carros de chá e mate e rumar até à capital daquela terra com uma intenção: devolver aos liliputes a vontade de viver, a liberdade para cantarem e dançarem canções sem que uns senhores vestidos de preto e com uns chapéus de feltro os incomodassem. Assim foi. Os soldadinhos juntaram as suas pequenas forças com as pequenas forças de outros soldadinhos e com o poder mágico de uma flor vermelha usada por aqueles habitantes, conseguiram, todos juntos, que o liliputianozão que mandava naquela terra muito pequenina e soalheira que tinha os habitantes mais simpáticos e hospitaleiros do planeta, se fosse embora para uma terra do outro lado do grande mar, uma terra também com muito sol mas habitantes muitíssimo mais felizes mas onde, este artista de barriga tesa com certeza nada de mal poderia fazer.
O que se seguiu àquela festa pá, foi maravilhoso! Durante um tempo os habitantes daquela terra foram felizes, diziam o que lhes apetecia, cantavam a alta voz, cultivavam terras, amavam-se uns aos outros, enfim, eram felizes. Mas com o passar do tempo voltaram as tristezas, os pesadelos, o sofrimento. Ninguém conseguiu explicar por quê, mas se calhar é da natureza dos habitantes daquela terra muito pequenina e soalheira eram os mais simpáticos e hospitaleiros do planeta mas também os mais tristonhos de toda aquela terra e arredores.

Histórias e noites

Gosto da noite. Gosto dos bastidores. Gosto de artistas. Gosto de alguns artistas. Tive o privilégio de assistir a uma noite de gravações do novo disco de um grande artista, ou direi antes: artíficie, como um seu amigo francês lhe chamava. Porque este senhor faz obras únicas nas quais coloca o carinho, o engenho e a arte de um artíficie minuncioso. Falo de Fernando Tordo, que muitos conhecem por ter cantado êxitos como “Tourada”, “Cavalo à Solta”, “Estrela da Tarde”, só para citar alguns. Este senhor é muito mais do que isso. Para quem gosta do espectáculo e dos bastidores como eu, a noite que presenciei vai ficar na minha memória para sempre. Vai ficar naquele cantinho do coração que guarda os momentos inesquecíveis de tão especiais que são. Podia ser uma coisa simples, para alguns até talvez fosse uma “seca”. Para mim foi maravilhoso ouvir histórias deliciosas, ser contagiada pela boa disposição em estúdio. Conversar, simplesmente conversar com alguém que admiro por ser bom artista e por ser um homem frontal, sem “papas na língua” e com a coluna inquebrável.
Tenho saudades de um tempo que não vivi. Do tempo das boémias lisboetas em que os artistas se encontravam para conspirar contra o regime, para inventar, para criar – e para beber uns copos, claro está! – Aquela noite fez-me reportar a esse tempo, para mim, imaginário e que de certo modo gostaria de ter vivido. Fez-me acreditar que Portugal, este país que às vezes enlouquece e outras vezes acorda de um longo torpor, ainda tem pessoas genuínas e ao mesmo tempo conscientes. Pessoas inteligentes e generosas. Tem artistas que precisam de ser ouvidos, acarinhados, gostados, respeitados. Que fazem parte da história deste país. Acordem senhores!

quinta-feira, 11 de março de 2010

Medley de títulos de canções de Fernando Tordo

ADEUS TRISTEZA “até depois” porque vem uma CARTA DE LONGE que POR MERO ACASO, traz ALGUMA ESPERANÇA. Além disso, O HOMEM DO JAZZ anda por aí e é BEM APARECIDO! O AMIGO QUE EU CANTO chamado Portugal, TALVEZ ILHA TALVEZ MAR, mais parece um CAVALO À SOLTA numa TOURADA de FEVEREIRO, naqueles anos em que o CALENDÁRIO parece virado ao contrário por um VELHO DANADO. SÓ O PASSADO É QUE NÃO dá tréguas nem ao ESCRITOR nem ao MÚSICO que canta a CANTIGA, INDO NA FRENTE, dando o corpo às balas porque a vida não é uma REVERIE qualquer em que há sempre FESTA CÁ PARA NÓS. OS OPERÁRIOS DE NATAL alegram OS BONS E OS MAUZINHOS que andam por aí a DANÇAR ao som do FADO DE ALCOENTRE, assim COMO QUEM MORRE DENTRO DA MANHÃ, bebendo um café no Vává com esperança que a LADY MIMI apareça, essa “laranja amarga e doce”. Mas eu SOU DE OUTRAS COISAS, CANTO DE PASSAGEM na esperança que esta MALDITA CARESTIA acabe porque, para mal dos meus pecados, tenho PORTUGAL NO CORAÇÃO. Escrevo assim esta CARTA PARA UM AMIGO que esteve DE PÉ NA REVOLUÇÃO que ACONTECEU NA PRIMAVERA, como que nascida de uma conversa de qualquer CAFÉ do Bairro Alto “onde os meninos chegavam de mota”. Enfim, não CHEGAM PALAVRAS neste DUETO A UMA VOZ cantado nesta nossa LISBOA DE FEIRA em que espero ansiosamente por uma ESTRELA DA TARDE que lhe diga novamente e sempre: ADEUS TRISTEZA.